Mesmo com queda significativa de arrecadação e aumento de despesas, 16 chefes dos Executivos vão se candidatar nas disputas das eleições 2018; número é o maior desde 2006
Paulo Beraldo, Ana Neira e Luiz Raatz, O Estado de S.Paulo
Mesmo sem conseguir equacionar a crise que marca as finanças nos Estados, com queda de arrecadação e aumento de despesas com itens como a folha de pagamento de servidores públicos, a maioria dos governadores vai disputar a reeleição neste ano, de acordo com levantamento feito pelo Estado. Nos 26 Estados e no Distrito Federal, 16 governadores vão tentar um novo mandato nas eleições 2018 – o maior número desde o pleito de 2006, quando 17 apostaram na reeleição.
Em um período de três anos, as contas dos Estados saíram de um resultado positivo de R$ 16 bilhões para um déficit de R$ 60 bilhões no fim de 2017. Além de gastos em alta, os governadores que saírem com vitória das urnas em outubro terão de herdar também os efeitos de uma das piores recessões da história recente do País, que custou aos Estados R$ 278 bilhões entre 2015 e 2017.
Diante de números tão negativos, que poderiam afetar a preferência dos eleitores, a explicação dada por analistas é de que existe uma desvinculação dos Executivos estaduais do cotidiano da população, acostumada a culpar mais as gestões municipais e federal pelos problemas na prestação de serviços e na administração do caixa público. “Os governos estaduais são essencialmente prestadores de serviço e administradores de parte da infraestrutura do Estado”, disse o cientista político Fernando Schüler, do Insper.
“Isso faz com que o índice de reeleição dos governos seja favorável”, afirmou Schüler. Segundo ele, o fato de os Estados não serem responsáveis por formular políticas econômicas, questões como o desemprego acabam não sendo vinculadas aos governadores. “Mesmo com um presidente mal avaliado, o governador pode oferecer retórica positiva que o afaste da crise.”
A deterioração das contas atinge a maioria das administrações, mas é mais nítida em Estados como Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Rio Grande do Norte – onde desde 2015 falta dinheiro para pagar em dia os salários de quase 100 mil trabalhadores com vínculos com o Executivo local e o décimo terceiro de 2017 ainda não foi depositado para quem ganha acima de R$ 4 mil. Como alternativa, o governador Robinson Faria tem recorrido ao Fundo Financeiro do Instituto de Previdência dos Servidores Estaduais. Desde que assumiu o cargo, em 2015, ele já sacou R$ 1 bilhão desse fundo.
Filiado ao PSD, Faria é um dos atuais governadores que vai se lançar à reeleição, desta vez embalado por uma coligação de 12 partidos, entre eles, o PSDB, PRB, PTB e PR. Procurado, o governador não falou sobre a situação do Estado até a conclusão desta edição. Mas, durante a convenção que confirmou seu nome ao governo potiguar, disse que o enfrentamento da crise o impediu de entregar as obras prometidas.
O fato de os governadores não serem identificados com as crises, na avaliação de Schüler, ajuda partidos nacionalmente afetados pela recessão, como é o caso do PT. “Apesar de todas as questões do PT, seus governadores vão bem nas pesquisas, mesmo que nacionalmente o partido tenha recuado”, afirmou ele. É o caso do governador da Bahia, Rui Costa (PT), que tentará mais quatro anos. “Não posso comentar a decisão dos outros 15 governadores, mas tenho a convicção de que tomei a decisão acertada. Atendi à vontade de um grande grupo político e da maioria dos baianos, que tem avaliado positivamente minha gestão”, afirmou ele.
Crônico. Exceção nesse panorama, segundo Schüler, é o Rio Grande do Sul, que desde 1998 nunca reelegeu um governador. “Lá o déficit fiscal é um problema crônico. Trata-se de um Estado que presta mal os serviços, onde é difícil governar e fazer reformas. Sartori tentou fazer algumas, mas não teve sucesso.” Falando em continuidade e de “não fugir da raia”, o governador gaúcho José Ivo Sartori (MDB) também oficializou a sua candidatura à reeleição.
“Fui chamado a concorrer à reeleição para dar continuidade aos projetos de modernização de gestão e controle da máquina pública”, disse ele ao Estado. No primeiro semestre de 2018, mesmo com a ênfase ao ajuste fiscal, o rombo mais do que dobrou em relação a igual período de 2017. A previsão é que o novo governador tome posse com um buraco avaliado em R$ 4 bilhões.
Receita total retrocede a patamares de 2012
Com a crise econômica, a receita total dos Estados retrocedeu a níveis semelhantes aos de 2012. Em valores atualizados, há seis anos eles somavam R$ 636,6 bilhões (montante que considera a arrecadação de impostos estaduais e as transferências feitas pelo governo federal). Em 2017, a mesma cifra ficou em R$ 631 bilhões.
“A queda foi espetacular. Não é que parou de crescer. Houve uma redução de receita muito radical, isso a despeito dos esforços dos Estados para aumentá-la”, disse o economista Claudio Hamilton Matos dos Santos, diretor de políticas macroeconômicas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Entre 2014 e 2016, a receita total retrocedeu 6,2%, para depois, em 2017, apresentar uma tímida melhora. Se essa recuperação se mantiver no patamar registrado no ano passado, de 1,6%, os Estados só vão ter uma receita próxima à de 2014 em 2020, apontam cálculos do diretor do Ipea. “A boa notícia é que parou de cair. Mas a tendência de recuperação é muito fraca.”
Sem dinheiro em caixa e com uma folha de pagamentos crescente por causa do maior número de aposentados, os Estados pararam de contratar e tiveram de cortar investimentos, em uma tentativa de fazer as contas fecharem. “Na prática, o que aconteceu é que, se o governo ia comprar um carro para a Polícia, acabou não comprando. Teve Estado que quase zerou os investimentos e agora está, lentamente, voltando”, disse ele.
No Rio de Janeiro, por exemplo, além de ter ocorrido atrasos nos pagamentos de salários e aposentadorias, a redução dos investimentos foi de 62% em 2016, segundo o último boletim sobre situação fiscal dos Estados feito pelo Tesouro Nacional.
A economista Vilma Pinto, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da FGV, disse que nos últimos oito anos, enquanto os investimentos totais dos Estados recuaram 3,1%, o gasto com pessoal avançou 4%. Ela lembra que houve um desencontro entre receitas, que apresentam um comportamento cíclico, e despesas, que são constantes. / COLABORARAM LUCIANA DYNIEWICZ e RICARDO ARAÚJO, ESPECIAL PARA O ESTADO