Utilizado como uma espécie de assessor parlamentar, Job Brandão, preso depois que suas digitais foram encontradas em um “bunker” com R$ 51 milhões do ex-ministro Geddel Vieira Lima, em Salvador, não vai se contentar em apenas acusar os irmãos Geddel e Lúcio Vieira Lima, deputado do PMDB da Bahia, de ficar com quase todo o salário que lhe era pago pela Câmara. Job decidiu que também irá pedir na Justiça ressarcimento de todos os valores repassados aos Vieira Lima desde o dia em que a “contribuição” teve início. Considerando-se apenas os últimos cinco anos, nos termos da legislação trabalhista, a defesa dele estima que uma decisão favorável renderia ao menos R$ 500 mil reais, em valores não corrigidos.
Basília Rodrigues, especial para o Congresso em Foco
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Em processo de negociação de delação premiada, o ex-assessor já contou à polícia que trabalhava em Salvador lidando com assuntos pessoais da família Vieira Lima, sem qualquer função de interesse público, embora pago pelo contribuinte. Mas, segundo Job, ele sequer podia desfrutar de todo o salário, uma vez que fazia os repasses para familiares de Geddel, há até pouco tempo um dos principais aliados do presidente Michel Temer, e Lúcio Vieira Lima.
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A historia do falso secretário parlamentar da Câmara foi revelada pela revista Época, na edição deste fim de semana. Além da irregularidade funcional, surge de uma conversa com o advogado de Job a novidade de que ele quer reaver os valores que garante não ter usufruído. Ou seja, recorrerá à Justiça para que lhe seja devolvido o montante indevidamente desviado para os Vieira Lima.
“Eram secretários parlamentares que na verdade atuavam como empregados domésticos (em Salvador). O Job realmente merece uma reparação econômica pela situação em que se encontra hoje, agravada pela exploração econômica que sofreu: o pai tem 93 anos, está com a perna amputada. A mãe, de 90 anos. Ele tem 49 anos, está desempregado e vive pra cuidar dos pais”, afirmou o advogado Marcelo Ferreira ao Congresso em Foco.
Segundo Job, o motorista da família Vieira Lima, outro contratado pela Câmara, também recebe o salário, mas repassa a maior parte dos valores para os patrões.
Transporte (e contagem) de valores
Entre os trabalhos prestados à família Vieira Lima, Job Brandão transportava dinheiro de propina, de visitas que fazia à Odebrecht, por exemplo, e guardava os valores no closet da mãe dos irmãos Vieira Lima, em Salvador. A investigação suspeita de que, deste closet, o dinheiro foi levado para o apartamento onde a Operação Tesouro Perdido descobriu, em setembro, a existência de R$ 51 milhões. Além das digitais de Job, as de Geddel também foram encontradas em algumas cédulas.
“Hoje ele vive em situação de miséria, foi exonerado (da Câmara). A condição dele é incompatível com a de um secretário parlamentar. Durante 28 anos, ele só esteve em Brasília uma única vez”, afirma o advogado.
O salário bruto como secretário parlamentar era de R$ 14.300,00, incluindo o auxílio alimentação. Mas, desse total, Job Brandão diz que ficava apenas com R$ 3.780,00 todo mês. Entre 70% e 80% do salário, diz, eram abocanhados pela família Vieira Lima.
“Ou seja, em dez anos [de serviços] dá mais de R$ 1 milhão. O problema que tenho hoje é que quase tudo era feito com saque em dinheiro. Era um ou outro depósito”, acrescenta o advogado, que por indicação de um amigo pegou a causa, mas somente se deu conta da situação financeira do cliente quando não houve dinheiro nem pra pagar a fiança de soltura. Job cumpre prisão domiciliar.
Sem dinheiro
A exemplo de Geddel, Job Brandão chegou a ser preso, em setembro – já o ex-ministro continua preso em Brasília, e ainda não decidiu se fará delação. A Justiça determinou o pagamento de 100 salários mínimos como fiança, o que equivale a R$ 93 mil. Mas a família dele alegou que não tinha como pagar.
Diante do impasse, o advogado apresentou um pedido de reconsideração ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin. Além disso, conseguiu convencer a Procuradoria-Geral da República (PGR) a respeito da situação de seu cliente, e enfim conseguiu cortar o valor da fiança pela metade. Mesmo assim, Job disse que não conseguiria pagar a fatura. A defesa voltou a reivindicar um valor menor e espera derrubar a fiança para o valor mínimo legal, cerca de R$ 3 mil.
Job cumpre prisão domiciliar com tornozeleira eletrônica. O advogado argumenta que, sem locomoção, fica difícil para o ex-assessor reunir provas como os extratos bancários. Como Job manifestou o desejo de aderir à colaboração premiada, a defesa já pediu a revogação da prisão, o que deve facilitar a obtenção de provas.
Caixinha partidário
A prática de repasse de salários a parlamentares não é uma novidade desvendada pela Operação Lava Jato, por exemplo. O Congresso em Foco tem mostrado, desde 2011, que o PSC era um dos partidos que praticavam a ilegalidade. A legenda ficava com 5% dos salários dos funcionários comissionados da Câmara vinculados ao partido, lotados na Liderança, na Mesa ou nos gabinetes. Documentos obtidos com exclusividade pelo Congresso em Foco mostraram, na ocasião, como a arbitrariedade acontecia no gabinete do então vice-líder e presidente da legenda no Pará, deputado Zequinha Marinho.
“Nos corredores da Câmara, sempre se falou sobre a existência de esquemas nos quais os deputados e os partidos embolsam parte do dinheiro que pagam aos funcionários que contratam. Uma prática ilegal, já que engorda bolsos políticos com dinheiro público que tem outra destinação. Embora muito falado, é um expediente nunca comprovado. Até agora. O Congresso em Foco obteve documentos que comprovam a existência do esquema em uma legenda: o Partido Social Cristão (PSC)”, diz trecho do texto publicado em 2 de dezembro de 2011 pelo repórter Eduardo Militão (relembre aqui).
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