Por 206 votos a 193, deputados rejeitaram nesta quarta-feira (13) uma emenda do Senado que, apresentada ontem (terça, 12) durante votação de plenário, poderia ter levado à perda de vigência da Medida Provisória 795/2017, que precisava ter tramitação concluída no Congresso até sexta-feira (15). O dispositivo, formalizado pelo líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), visava limitar a 31 de julho de 2022 os benefícios fiscais concedidos pelo Brasil a empresas petrolíferas estrangeiras que atuarão em blocos das camadas pré-sal e pós-sal, inclusive por meio de isenções para importação de máquinas e equipamentos. Encerrada a deliberação na Câmara, o texto segue para sanção presidencial.
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Apelidada de “MP do Trilhão”, a medida prorrogou para 2022 a validade do chamado Repetro, regime especial de importação de bens empregados em exploração, desenvolvimento e produção de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos. Mas, durante a primeira votação na Câmara, o prazo foi modificado para 31 de dezembro de 2040 – o que provocou o protesto, ontem (terça, 12), do líder do PT no Senado, Lindbergh Farias (RJ), que apontou infração à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). O argumento foi apresentado em questão de ordem e acatado pelo presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-RR), provocando a emenda de Jucá.
A mudança de prazo foi viabilizada com o parecer do relator da medida na Câmara, Júlio Lopes (PP-RJ). Paralelamente à MP 795/2017, o governo formalizou também o Decreto 9.128/2017, justamente o instrumento normativo que prorrogou, de 2020 para 2040, o prazo de validade do Repetro. “A LDO [Lei de Diretrizes Orçamentárias] diz o seguinte: você só pode conceder renúncia por, no máximo, cinco anos. Isso está expresso na LDO. O texto da medida provisória veio correto, com cinco anos, só que foi ampliado pelo relator até 2040″, observou Lindbergh, na votação do Senado.
Para evitar que a MP do Repetro perdesse validade, no instante em que o Senado votava a matéria nesta terça-feira (12), líderes da base aliada na Câmara agiram rapidamente e já elaboraram um cronograma para assegurar sua aprovação já no dia seguinte. O plano governista foi executado a contento e, mesmo sob protestos da oposição, o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), conseguiu conduzir a sessão até a aprovação do texto.
“É muito grave que o Parlamento brasileiro vote contra o Brasil, contra a indústria brasileira, contra o petróleo brasileiro, contra a riqueza nacional. E são graves as repercussões que isso tem sobre todas as cadeias de óleo, gás, naval e tudo o que isso significa para muitos estados, particularmente para o meu estado. Eu inclusive disse que não consigo compreender como a bancada do Rio consegue votar favoravelmente a uma matéria como essa”, reclamou Jandira Feghali (PCdoB-RJ).
O relator da matéria, na defesa do conteúdo, explicou a questão da extensão de prazo e negou o desrespeito à LDO. Para Júlio Lopes, “não existe contrato de petróleo menor que 35 anos”. “É absolutamente nula uma iniciativa legislativa que não confira uma paridade de data entre a isenção que estamos dando aqui, agora, e aquela que está prevista no contrato. Inclusive no contrato que já foi feito de Libra e também no contrato que será feito do poço Sapinhoá [Bacia de Santos], que ora leiloamos. Peço que entendam, a natureza tributária precisa ter um pouco mais de atenção”, discursou o deputado.
Trihão
Para parlamentares da oposição, a medida provisória é um presente de Michel Temer às petrolíferas estrangeiras e uma entrega do patrimônio nacional ao capital internacional. A acusação oposicionista tem como base um conjunto de estudos produzidos pelas consultorias legislativa e de orçamento da Câmara. Segundo o trabalho, a redução e até isenção total de impostos contidas na MP 795/2017, que beneficia petrolíferas até 2040, significam uma renúncia fiscal de R$ 40 bilhões ao ano, o equivalente a R$ 1 trilhão nos próximos 25 anos.
Ainda segundo o estudo, as regras definidas no mais recente leilão da Agência Nacional do Petróleo (ANP), realizado em 27 de outubro, reduzirão os ganhos decorrentes da exploração do petróleo em relação ao pregão promovido há quatro anos no campo de Libra – parcela desse dinheiro compõe o financiamento dos setores de educação e saúde. O trabalho técnico foi reforçado por projeções do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal (Sindifisco Nacional).
Por meio de nota (veja abaixo) divulgada na última semana, a Receita Federal, órgão vinculado ao Ministério da Fazenda, apontou “erro de cálculo” e negou que a medida provisória representaria perdas de tais dimensões para o país. Na mesma linha, o relator da matéria, Júlio Lopes, discursou em plenário e disse que a matéria, por meio das parcerias que viabiliza com os estrangeiros, “vai gerar bilhões para o Brasil”.
Nota da Receita:
A Medida Provisória nº 795, de 2017, visa alinhar a tributação do setor de petróleo e gás às práticas internacionais, reduzir o grande litígio tributário existente, restabelecer base tributária (com vistas a sua ampliação) e incentivar investimentos na indústria petrolífera do Brasil. Não existe concessão maciça de renúncia tributária. A principal desoneração contida na MP existe desde 1999, e está sendo apenas renovada e aperfeiçoada, para corrigir algumas distorções.
Olhar estrangeiro
Parlamentares críticos da medida também afirmam que lobistas das petroleiras agiram em favor da medida, por meio de reuniões e incursões a gabinetes e comissões do Congresso. Uma reportagem do jornal britânico The Guardian, publicada em novembro, também aponta a ação do ministro do Comércio do Reino Unido. Ele teria se encontrado com o secretário-executivo de Minas e Energia, Paulo Pedrosa, em viagens ao Rio de Janeiro, a Belo Horizonte e a São Paulo em março deste ano. A MP foi editada em agosto.
O jornal revelou que um documento diplomático britânico obtido pelo Greenpeace aponta a ação de Pedrosa, pressionando colegas sobre as questões apresentadas pelo ministro britânico. As acusações de lobby também se estendem às petroleiras estrangeiras Shell e British Petroleum, que adquiriram os blocos de exploração do pré-sal e do pós-sal no leilão promovido pelo governo brasileiro em outubro. O governo do Reino Unido nega ter feito lobby.
Durante a tramitação da matéria na comissão mista (deputados e senadores) especialmente instalada para discuti-la, parlamentares denunciaram a ação de lobistas de empresas como a Shell e British Petroleum para interferir no texto final. Em uma dessas ocasiões, o senador Lindbergh chegou a apontar a atuação de um “lobista da Shell” durante audiência na presença do deputado Júlio Lopes.