Deflagrada pela Polícia Federal em março de 2014, a Operação Lava Jato se tornou célebre por revelar aos brasileiros um dos maiores escândalos de corrupção e lavagem de dinheiro de que já se teve notícia, envolvendo políticos, agentes públicos, grandes empreiteiras e altos executivos da Petrobras. Passados quase quatro anos, as condenações se acumulam em primeira e segunda instância, chegando até a figuras como o ex-presidente Lula, que teve sua pena no caso do triplex do Guarujá (SP) aumentada para 12 anos e 1 mês de prisão pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), na última quarta-feira (24).
POR GISELLE SANTOS
Porém, quando se trata de autoridades com foro privilegiado, a coisa muda de figura. No Supremo Tribunal Federal (STF), instância máxima do Judiciário e responsável pelos processos envolvendo parlamentares e ministros, nenhuma ação penal foi concluída no âmbito da Lava Jato. Em Curitiba e no Rio de Janeiro, que concentram as principais ações da operação na primeira instância, pelo menos 144 pessoas já acumulam 181 condenações – algumas foram sentenciadas mais de uma vez.
Desde março de 2015, quando foi divulgada a primeira “lista de Janot” – relação dos citados nas delações premiadas do doleiro Alberto Yousseff e do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, encaminhada ao STF pelo então procurador-geral da República Rodrigo Janot –, 193 inquéritos (investigações preliminares que podem virar processos) foram instaurados no STF. Entre eles, 36 resultaram em denúncias criminais e 7 em ações penais (processos que podem resultar em condenação) que envolvem 100 acusados. Segundo dados obtidos no site do Ministério Público Federal (MPF), 121 acordos de colaboração premiada já foram submetidos ao Supremo até janeiro deste ano. O número de condenações de políticos, no entanto, ainda é zero.
Estão na fila do Supremo inquéritos e ações penais da Lava Jato que envolvem quase toda a cúpula do Congresso e auxiliares diretos do presidente Michel Temer. Parlamentares como Renan Calheiros (MDB-AL), Romero Jucá (MDB-RR), Eunício Oliveira (MDB-CE), Aécio Neves (PSDB), Fernando Collor (PTC-AL), Rodrigo Maia (DEM-RJ), José Serra (PSDB-SP) e Gleisi Hoffmann (PT-PR), entre outros, aguardam o desenrolar vagaroso de seus casos. Desses, apenas Gleisi e Collor viraram réus até o momento. Ministros como Eliseu Padilha (Casa Civil), Moreira Franco (Secretaria-Geral da Presidência) e Gilberto Kassab (Ciência e Tecnologia) também comandam suas pastas a despeito das suspeitas.
Alguns dos políticos da “lista de Janot” só estão atrás das grades hoje porque perderam o foro no Supremo, como os ex-presidentes da Câmara Eduardo Cunha (MDB-RJ) e Henrique Eduardo Alves (MDB-RN), submetidos hoje à primeira instância.
Números da Lava Jato
Fonte: Congresso em Foco com base nos dados do MPF
Instâncias inferiores
Reprodução
Na comparação entre o STF e as instâncias inferiores, a efetividade na resolução dos casos da Lava Jato é surpreendente. Em primeira instância, por exemplo, a Justiça do Paraná contabiliza 72 acusações criminais, 37 delas já com sentenças, contra 289 pessoas. Segundo dados do MPF, foram 177 condenações até 2017, contra 113 pessoas, totalizando 1.753 anos e 7 meses de penas. Os registros mostram ainda 1.765 procedimentos instaurados, 881 mandados de busca e apreensão, 222 mandados de condução coercitiva, 101 prisões preventivas e 163 acordos de delação premiada.
Na Justiça do Rio de Janeiro, as 25 denúncias do MPF, contra 134 pessoas, já resultaram em 4 sentenças, 31 condenados, com penas somadas de 377 anos e 5 meses de reclusão, além de 57 prisões preventivas, 34 conduções coercitivas, 211 buscas e apreensões, 15 acordos de delação homologados e 17 operações em conjunto com a Polícia Federal e a Receita Federal.
Já na segunda instância, o TRF-4 analisou 23 recursos em 98 decisões do juiz federal Sérgio Moro. Dos 77 condenados pelo magistrado, apenas 5 foram absolvidos pelo TRF-4. Em três anos, 35 réus tiveram as penas elevadas, 20 tiveram suas sentenças mantidas e 16 deles tiveram as penas reduzidas. O total de apelações de penas da Lava Jato já apreciadas pela 8ª Turma do TRF-4 já chega a 24.
Corte constitucional
A Lava Jato no Supremo também é marcada por uma tragédia: a morte do então relator, Teori Zavascki, em desastre aéreo um ano atrás. O seu sucessor na função, ministro Edson Fachin, tinha de decidir sobre diligências e despachos enquanto tomava pé dos três anos de trabalho de Teori na relatoria.
Professor de Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), o advogado Pedro Estevam Serrano acredita que a demora do STF em julgar os casos da Lava Jato se deve ao grande número de processos na fila. Como uma corte constitucional, isto é, que tem como função principal garantir a aplicação da Constituição Federal, a competência do STF vai desde a esfera estadual até a federal, com apenas 11 ministros para atender a demanda. Já os tribunais de Justiça e os TRFs, observa o professor, possuem uma abrangência menor, além do número maior de pessoas para analisar cada caso e de seções especializadas, por exemplo, seja em Direito Penal, Tributário, Previdenciário ou demais categorias.
“O STF é uma corte constitucional e, ao mesmo tempo, um órgão do Judiciário porque nós fizemos um mixentre o sistema americano de controle de constitucionalidade e o sistema europeu. Como órgão do Judiciário, ele tem que julgar casos criminais, cíveis, comerciais, trabalhistas, eleitorais. Ele julga casos tanto na esfera estadual quanto na federal. Enquanto o Tribunal de Justiça só julga casos da esfera estadual, e um TRF só julga casos da chamada esfera federal, o STF julga todos, além de ter competência originária para julgar algumas pessoas, o chamado foro privilegiado, e para julgar, no campo cível e administrativo, certos atos do Executivo e do Legislativo”, disse ao Congresso em Foco.
Para ele, esse é um dos problemas estruturais do sistema de Justiça brasileiro. Serrano defende que o Supremo delegue funções para as cortes inferiores, como já acontece nos Estados Unidos, e que a atividade de corte constitucional seja separada do Judiciário, o que, em sua opinião, daria mais equilíbrio entre os três poderes. “Os Estados Unidos passaram por um problema semelhante a esse que nós passamos no século 19. O que fez a Suprema Corte Americana? Delegou funções para as cortes inferiores. É isso que o nosso pessoal não quer fazer. Eles querem concentrar poder, concentrar competências”, considerou.
Rovena Rosa/ABr